sábado, 23 de maio de 2009

Seu João, o fazedor de bolas

Uma pequena oficina, com portas pichadas, e um velho artesão sentado à entrada. Em suas mãos, marcadas pelo tempo de ofício, agulha e linha são habilmente conduzidas por entre os gomos de uma bola de couro. A cena, assistida diariamente por quem passa pela Rua Uranos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, revela um personagem que há 68 anos mantém a mesma rotina, participando ativamente da história do nosso futebol.

João Ferreira, 85, lembra quando Zico, ainda criança, ia com os amigos a uma de suas fábricas, em Quintino, para lhe pedir bolas. Anos mais tarde, Zico, o maior ídolo da história do Flamengo, e vários outros ícones do esporte viraram clientes. Passaram a fazer encomendas para suas escolinhas e clubes. Entre eles destaca também o contemporâneo de Zico, e atual presidente do Vasco, Roberto Dinamite.

20 mil bolas em apenas 15 dias

Seu João teve seu auge nas décadas de 70 e 80, quando mantinha três fábricas na cidade e suas bolas ganharam os campos de praticamente todos os clubes cariocas.Chegaram inclusive a ser adotadas pela Federação de Futebol do Estado do Rio. Foi nessa época em que se lembra de ter encarado um grande desafio: fabricar 20 mil bolas em 15 dias.

- A Coca-Cola teve um problema com um fabricante e precisava de bolas oficiais em tempo recorde. Todos diziam que era loucura, naquela época o trabalho era 100% artesanal. Mas eu aceitei a encomenda, ganhei um bom dinheiro e muito respeito no mercado. Coloquei gente trabalhando dia e noite, mas cumprimos o trato – recorda-se orgulhoso um dos últimos artesões da bola em atividade.


A paixão pelo ofício

Desde que fabricou sua primeira bola, em 1940, João Ferreira, 85 anos, não parou mais. Natural de Cambuci - municipio do noroeste fluminense localizado a 295km da capital, com apenas 14 mil habitantes – nosso personagem começou como assistente em uma fábrica onde trabalhava seu irmão mais velho. À medida que foi se aperfeiçoando, passou a pegar encomendas para fazer em casa. Quando percebeu estava fabricando suas próprias bolas.

A clientela aprovou a qualidade, mas a paixão com que conduzia o ofício foi um diferencial para seu sucesso. Vaidoso, Seu João fazia questão de dar garantias para suas bolas: “Se alguém aparecer aqui com uma bola minha que apresente problemas de costura ou vazamento, dou outra na hora, mesmo que ela já tenha anos de uso”, desafia para, em seguida, complementar: “as bolas de hoje não duram um ano. As minhas são para a vida toda”.

Engana-se quem julga seu João pela aparência de sua loja. Localizada a poucos metros da estação de trem de Olaria, o espaço pequeno ainda é o quartel general de uma produção mensal de mais de 700 bolas artesanais. Uma parte delas produzidas pelo próprio Seu João que ainda controla um time de profissionais terceirizados.

Perguntado sobre o motivo de ainda não ter se aposentado após 68 anos ininterruptos, Seu João sorri. A resposta dele me faz pensar na minha própria vida. Antes de compartilhá-la com quem possa estar lendo este post, gostaria de convidar-lhe a opinar na enquete deste blog.

Em uma semana, revelo a resposta dada por Seu João. Até lá!

3 comentários:

  1. Grande reportagem! Nem sabia que ainda existia fabricante artesanal de bolas. Gostei do trabalhadores "terceirizados"... Será que isso quer dizer sem carteira assinada? Muito bom, queria ter tido tempo de buscar um personagem no meu bairro, mas moro lá há pouco tempo e trabalhei demais esta semana.

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  2. Oi, José Marício, gostei muito do perfil do Seu João. Mantive o interesse pela história dele do início ao fim! Abraços, Sílvia

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  3. Oi José Maurício,

    Gostei do texto que traz o leitor junto com ele. A primeira e a segunda foto estão excelentes. Uma por mostrar a simplicidade da loja e, a outra, pelo bom retrato do personagem. Achei que a terceira poderia ter sido melhor. Ela parece ampliada demais e com a cor distorcida. Pena, porque a curiosidade de ver de perto as mãos experientes e a agulha transpassando a bola foi grande.

    Mas é um detalhe. Belo trabalho.

    Abs, Eduardo

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